terça-feira, 29 de junho de 2010

A carência de professores de ensino de física - Um estudo de caso sobre esta carência na região serrana do estado do Rio de Janeiro.

Resumo


No presente trabalho, pretendemos fazer uma análise crítica do atual estado de
carência de professores de ciências, principalmente das disciplinas de física e
química, tendo por base as últimas estatísticas publicadas pelo INEP. Procuraremos
levantar e analisar os fatores que contribuem para manutenção desta situação.
Embora, na atual sociedade o índice de desemprego seja um dado alarmante, esta falta
de professores não tem se refletido em um aumento da procura dos cursos de
licenciatura nestas áreas. Faremos um estudo de caso mostrando a situação de
carência de professores de física nas escolas estaduais do Rio de Janeiro da região
serrana III, que engloba os municípios de Petrópolis, Teresópolis e São José do Vale
do Rio Preto. Apresentaremos dados estatísticos sobre a carência destes profissionais
nesta região baseando-se em levantamentos efetuados diretamente na coordenadoria
do estado. Tentaremos mostrar como a carência deste profissional contribui para a
desestruturação e descrédito da escola pública, tirando deste espaço sua função
revolucionária de democratização do acesso aos códigos sociais. Destacaremos por
fim a necessidade urgente do surgimento de políticas públicas de incentivo aos cursos
e alunos de licenciatura em Física para reverter este quadro de carência profissional.

Introdução


Em outubro de 2003 o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais) publicou o documento intitulado “Estatísticas dos professores do Brasil”
reunindo as principais estatísticas brasileiras sobre os professores. Este estudo aponta um
quadro alarmante de carência de professores principalmente de Física e Química, o que
vem documentar a situação já vivenciada principalmente pela escola pública do interior.
Faz-se necessário uma reflexão crítica sobre o tema no sentido de garantirmos a defesa de
uma escola plural, como espaço de acesso e democratização dos códigos sociais. Caso não
se verifiquem tomadas de posturas a nível institucional no sentido de buscarmos incentivos
aos cursos e licenciandos destas áreas, desenha-se para um futuro próximo uma escassez
ainda maior, vindo comprometer seriamente os objetivos educacionais estabelecidos pela
LDB.
Dados estatísticos publicados pelo INEP em outubro de 2003


Este documento aponta que a decisão de ser professor, da forma que se apresenta,
não tem se mostrado atrativo, em termos de mercado e condições de trabalho. Esta
realidade é confirmada quando analisamos os dados referentes à procura dos jovens por
cursos de nível superior. Embora a relação candidato/vaga tenha crescido de 1991 para
2002, os cursos de graduação que oferecem licenciatura estão entre aqueles que apresentam
o maior número de vagas não preenchidas. Em 2002, 6% das vagas de instituições públicas
e 41% nas instituições de rede privada ficaram ociosas. O desprestígio dos cursos de
licenciatura pode ser confirmado pela baixa relação candidato/vaga quando comparado a
outros cursos como Medicina, Direito e Administração mostrado no gráfico 1.
Quando confrontamos os dados referentes ao rendimento salarial médio das
profissões no Brasil verificamos que os profissionais com menor rendimento mensal são os
professores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental seguidos dos professores do
Ensino Médio, como mostram os dados do gráfico 2. Evidentemente que tornar uma
profissão mais atrativa requer entre outros fatores, a possibilidade de obtenção de bons
salários. As duas áreas mais concorridas, Medicina e Direito, são também as que
apresentam maior remuneração salarial.
Os dados estatísticos informam que os cursos de graduação que oferecem
licenciatura cresceram 90% no período 1991/2002. No entanto, o aumento do número de
concluintes distribui-se de forma desigual. Constatam-se como áreas críticas às de Química
e principalmente Física, onde o número de licenciandos está muito abaixo da demanda
estimada.
DISCIPLINAS Demanda estimada para 2002 Número de licenciandos
Língua Portuguesa 142.179 221.981
Matemática 106.634 162.741
Biologia 55.231 126.488
Física 55.231 14.247
Química 55.231 25.397
História 71.089 102.602
Geografia 71.089 89.121

Um estudo de caso: A carência de professores de Física na Região


Serrana:

Recentemente, efetuamos um levantamento da carência de professores de física no

ano de 2004, junto à Gerente de Ensino da Região Serrana III, da Secretaria Estadual de
Educação, que engloba os municípios de Petrópolis, Teresópolis e São José do Vale do Rio
Preto. Esta região comporta um total de 20 escolas estaduais.
Gráfico 1 – Educação Superior – Relação
candidato/vaga na rede pública, por curso –
Brasil – 2002 Fonte: MEC/Inep.
Gráfico 2 – Rendimento médio mensal em
R$ por tipo de Profissão Brasil – 2001
Fonte: IBGE – Pnad 2001

Depois de iniciado o ano, é verificado pelas próprias diretoras das escolas a
possibilidade de acumulação dos professore da rede estadual, que recebe a denominação de
GLP (Gratificação por Lotação Prioritária). Vale destacar que existem escolas onde
professores de Matemática e Biologia assumem as cadeiras de Física e Química, não tendo
a coordenadoria da região controle nem estatísticas desta forma de substituição.
A situação de carência de professores, que vem se perpetuando ao longo dos anos,
tem levando alguns diretores a efetivarem contratações ilegais de pessoas não habilitadas.
Nos anos anteriores eram freqüentes a contratação de profissionais liberais (contadores,
administradores, etc) para suprirem a carência das disciplinas de física e química.
Em maio deste ano iniciou-se o processo de contratação de professores para
suprirem as carências não atendidas pelas GLPs. Diante da dificuldade de encontrar
profissionais habilitados, a secretaria de educação resolveu, contrariando as determinações
legais do MEC, autorizar a contratação de professores que estejam cursando o último ano
do ensino superior e que comprovassem o cumprimento de pelo menos 180 horas de aula
na disciplina que se propõe a lecionar. A tabela abaixo fornece o número de professores
contratados para suprir esta carência. Não estão computados nesta tabela os professores
efetivos da rede estadual que realizam GLP nesta disciplina.
MUNICÍPIOS
DA REGIÃO
SERRANA III
Professores da
Rede Estadual.
(Com habilitação)
Contratação temporária
(Com habilitação em
Física)
Contratação temporária.
(Sem habilitação em
Física)
PETRÓPOLIS 14 04 10
TERESÓPOLIS 12 02 05
SÃO JOSÉ 01 00 01
TOTAL 27 06 16
Analisando-se os dados desta tabela percebe-se que do total de professores
contratados, 72,7% não possuíam habilitação em física. Deste contingente, a quase
totalidade é formada por engenheiros, devido especificamente a presença nesta região de
uma universidade de engenharia. Percebe-se que para suprir as necessidades da rede local
foram contratados 45% do total de professores necessários para o ensino de Física, sem
contar as GLPs que são feitas por professores de Física e de Matemática. Ou seja, a região
serrana apresenta um déficit de aproximadamente 50% de professores de física. Isto
significa que metade dos alunos regularmente matriculados no ensino público estadual
nestas 3 cidades da região serrana não tiveram aulas regulares de física com professores
devidamente concursados e contratados para este fim.

Uma análise dos dados levantados


Parece mesmo paradoxal que, em tempos de grande índice de desemprego em nosso

país, as áreas de licenciatura em ensino de ciências exatas, principalmente Física,
despertem tão pouco interesse entre nossos alunos de Ensino Médio. Evidentemente que os
baixos salários a que está associada à função de professor, além de provocar o desinteresse
em dedicar-se a esta carreira, cria na própria sociedade uma desvalorização desta profissão.
Temos percebido que alunos que tem se mostrado com aptidão para o exercício do
magistério, em especial o de ensino de física, fazem opção por áreas afins, como engenharia, que oferece um maior status social e uma maior oportunidade de trabalho uma
vez que o engenheiro vem efetivamente podendo também exercer a função de professor de
Física, Química e Matemática. A atividade do magistério em física, parece perder sua
característica de profissão estabelecida e passa a ser uma “sub-profissão” onde qualquer
pessoa que saiba um pouco mais de matemática pode exercê-la.
Outro ponto que podemos destacar é a ação pedagógica de certos professores que
prestam um desserviço a esta causa, apresentando um curso totalmente desvinculado do
mundo atual, que não cativa, não envolve e que, portanto não seduz nossos estudantes. A
idéia do cientista louco, desvinculado da realidade cria um estereótipo que embora desperte
o interesse e curiosidade dos estudantes, contribui para fortalecer a idéia que a carreira de
físico, e por conseqüência dos professores de física, deve ser abraçada somente por poucos
gênios, excêntricos e desvinculados do mundo.

Conclusão


É urgente a demanda por políticas de incentivo aos cursos de licenciatura,

principalmente nas áreas de ciências e em especial nas áreas de Física e Química. Sem o
surgimento de políticas públicas de incentivo aos estudantes de licenciatura principalmente
nestas áreas de maior carência desenha-se para um futuro próximo, uma escassez ainda
maior destes profissionais da educação. Não se pode conceber o exercício pleno da
cidadania, sem que seja concedido ao aluno o direito de acesso aos códigos
contemporâneos desta sociedade, e isto só será possível se garantirmos a existência de uma
escola plural que garanta ao estudante o acesso ao conhecimento das Linguagens, dos seus
Códigos, das Ciências Humanas, das Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias.
Um bom ambiente escolar deve preocupar-se em seduzir o estudante, procurando
despertar o seu interesse, abordando temas que de alguma forma se relacionem com seu
mundo vivencial. Esta é uma das funções do professor, e em especial dos professores de
ciências. O ambiente escolar não pode ser apenas uma reprodução do espaço social no qual
o aluno está inserido. Ele deve ser um espaço de democratização dos acessos aos códigos
desta sociedade e de transmissão da bagagem científica-cultural construída e acumulada
pela humanidade. Sem professores de Física e Química devidamente preparados e
comprometidos com a construção desta escola, como vem sendo se verificando
principalmente nas escolas públicas, corremos o risco de perpetuarmos a existência de uma
escola que simplesmente reproduza o ambiente do aluno perdendo, portanto sua função transformadora.












Um comentário:

  1. Autor: Sidnei Percia da Penha [sidneipercia@ig.com.br]
    CApUFRJ – Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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